Legalizando o aborto - Supremo decide por 8 a 2 que aborto de feto sem cérebro não é crime
A
decisão, que passa a valer após a publicação no "Diário de Justiça",
não considerou a sugestão de alguns ministros para que fosse recomendado ao
Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina que adotassem medidas
para viabilizar o aborto nos casos de anencefalia. Também foram desconsideradas
as propostas de incluir, no entendimento do Supremo, regras para a
implementação da decisão
Plenário
do STF durante julgamento do aborto de feto sem cérebro
Após
dois dias de debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta
quinta-feira (12/04) que grávidas de fetos sem cérebro poderão optar por
interromper a gestação com assistência médica. Por 8 votos a 2, os ministros
definiram que o aborto em caso de anencefalia não é crime.
A
decisão, que passa a valer após a publicação no "Diário de Justiça",
não considerou a sugestão de alguns ministros para que fosse recomendado ao
Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina que adotassem medidas
para viabilizar o aborto nos casos de anencefalia.
Também
foram desconsideradas as propostas de incluir, no entendimento do Supremo,
regras para a implementação da decisão.
O
Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco
à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Para a
maioria do plenário do STF, obrigar a mulher manter a gravidez diante do
diagnóstico de anencefalia implica em risco à saúde física e psicológica.
Aliado ao sofrimento da gestante, o principal argumento para permitir a
interrupção da gestação nesses casos foi a impossibilidade de sobrevida do feto
fora do útero.
“Aborto
é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo,
não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser
formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção
estatal. [...] O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se
cuida de vida em potencial, mas de morte segura. Anencefalia é incompatível com
a vida”, afirmou o relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello.
Ao
final do julgamento, uma manifestante se exaltou e os ministros deixaram o
plenário enquanto ela gritava palavras de ordem. "Eu tenho vergonha. Hoje
para mim foi rasgada a Carta Magna. Se ela não protege os indefesos, que dirá a
nós", disse Maria Angélica de Oliveira Farias, advogada e participante de
uma associação de espíritas.
O
voto do ministro Marco Aurélio foi acompanhado pelos ministros Ayres Britto,
Luiz Fux, Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de
Mello. Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, presidente da corte, foram contra.
O
caso foi julgado por 10 dos 11 ministros que compõem a Corte. Dias Toffoli não
participou porque se declarou impedido, já que, quando era advogado-geral da
União, se manifestou publicamente sobre o tema, a favor do aborto de fetos sem
cérebro.
"Um
bebê anencéfalo é geralmente cego, surdo, inconsciente e incapaz de sentir dor.
Apesar de que alguns indivíduos com anencefalia possam viver por minutos, a
falta de um cérebro descarta complementamente qualquer possibilidade de haver
consciência. [...] Impedir a interrupção da gravidez sob ameaça penal equivale
à tortura”, disse o ministro Luiz Fux.
O
entendimento do Supremo valerá para todos os casos semelhantes, e os demais
órgãos do Poder Público estão obrigados a respeitá-lo. Em caso de recusa à
aplicação da decisão, a mulher pode recorrer à Justiça para interromper a
gravidez.
A
decisão foi tomada pelo STF ao analisar ação proposta em 2004 pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Saúde, que pediu ao Supremo a permissão para, em
caso de anencefalia, ser interrompida a gravidez.
Os
ministros se preocuparam em ressaltar que o entendimento não autoriza “práticas
abortivas”, nem obriga a interrupção da gravidez de anencéfalo. Apenas dá à
mulher a possibilidade de escolher ou não o aborto em casos de anencefalia.
“Faço
questão de frisar que este Supremo Tribunal Federal não está decidindo permitir
o aborto. [...] Não se cuida aqui de obrigar. Estamos deliberando sobre a
possibilidade jurídica de um médico ajudar uma pessoa que esteja grávida de
feto anencéfalo de ter a liberdade de seguir o que achar o melhor caminho”,
disse Cármen Lúcia.
Julgamento
O
julgamento começou na manhã de ontem (11/04) e cerca de sete horas depois foi
interrompido quando já havia cinco votos favoráveis à permissão de aborto de
anencéfalos.
O
primeiro dia foi marcado por vigílias de grupos religiosos e de defesa da vida
e pela presença, no plenário, de mulheres que sofreram gravidez de feto
anencéfalo e de uma criança que chegou a ser diagnosticadas com a doença e
sobreviveu após o parto.
A
sessão foi retomada na tarde de hoje com o voto do ministro Ayres Britto, em
defesa do aborto diante do diagnóstico de anencefalia. Foram mais de seis horas
de julgamento nesta quinta - cerca de 13 horas de debates no total.
“[O
aborto do feto anencéfalo] é um direito que tem a mulher de interromper uma
gravidez que trai até mesmo a ideia-força que exprime a locução ‘dar à luz’.
Dar à luz é dar à vida e não dar à morte. É como se fosse uma gravidez que
impedisse o rio de ser corrente”, afirmou o ministro Ayres Britto, cujo voto
definiu a maioria dos ministros a favor do aborto de feto Anencéfalo.
Celso
de Melo destacou que a gravidez de anencéfalo "não pode ser taxada de
aborto". "O crime de aborto pressupõe gravidez em curso e que o feto
esteja vivo. E mais, a morte do feto vivo tem que ser resultado direto e
imediato das manobras abortivas. [...] A interrupção da gravidez em decorrência
da anencefalia não satisfaz esses elementos."
Tema controverso
O
pedido da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde foi atendido pelo
STF após oito anos de tramitação do processo. Em 2004, o relator chegou a
liberar o aborto de anencéfalos em decisão liminar (provisória), que meses
depois foi derrubada pelo plenário. Em 2008, audiências públicas reuniram cientistas,
médicos, religiosos e entidades da sociedade civil para discutir o tema
controverso.
Para
a entidade, não se trata de aborto, mas da “antecipação terapêutica do parto”,
diante da inviabilidade de sobrevivência do feto.
"A
interrupção nesses casos não é aborto. Então, não se enquadra na definição de
aborto do Código Penal. O feto anencefálico não terá vida extra-uterina. No
feto anencefálico, o cérebro sequer começa a funcionar. Então não há vida em
sentido técnico e jurídico. De aborto não se trata", afirmou o advogado da
entidade, Luís Roberto Barroso durante sua sustentação oral no plenário do STF.
Entidades
religiosas
O
ministro Gilmar Mendes criticou a opção do relator por não incluir como partes
da ação entidades religiosas. Para ele, o debate precisava ser
“desemocionalizado”.
“Essas
entidades são quase que colocadas no banco dos réus como se tivessem fazendo
algo de indevido e não estão. É preciso ter muito cuidado com esse tipo de
delírio desses faniquitos anticlericais”, afirmou Mendes.
Divergência
Apenas
os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso se manifestaram contra o aborto
de fetos sem cérebro, entre os dez que analisaram o tema.
Para
Lewandowski, o Supremo não pode interpretar a lei com a intenção de “inserir
conteúdos”, sob pena de “usurpar” o poder do Legislativo, que atua na
representação direta do povo. Ele afirmou que o assunto e suas conseqüências
ainda precisam ser debatidos pelos parlamentares.
"Uma
decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos anencéfalos, ao arrepio
da legislação existente, além de discutível do ponto de vista científico,
abriria as portas para a interrupção de gestações de inúmeros embriões que
sofrem ou viriam sofrer outras doenças genéticas ou adquiridas que de algum
modo levariam ao encurtamento de sua vida intra ou extra-uterina", disse.
Peluso
comparou o aborto de fetos sem cérebro ao racismo e também falou em
"extermínio" de anencéfalos. Para o presidente do STF, permitir o
aborto de anencéfalo é dar autorização judicial para se cometer um crime.
"Ao
feto, reduzido no fim das contas à condição de lixo ou de outra coisa
imprestável e incômoda, não é dispensada de nenhum ângulo a menor consideração
ética ou jurídica nem reconhecido grau algum da dignidade jurídica que lhe vem
da incontestável ascendência e natureza humana. Essa forma de discriminação em
nada difere, a meu ver, do racismo e do sexismo e do chamado especismo",
disse Peluso.
"Todos
esses casos retratam a absurda defesa em absolvição da superioridade de alguns,
em regra brancos de estirpe ariana, homens e ser humanos, sobre outros, negros,
judeus, mulheres, e animais.
No
caso de extermínio do anencéfalo encena-se a atuação avassaladora do ser
poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a um
incapaz de prescendir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa",
completou o presidente do STF, que proferiu seu voto antes de proclamar o
resultado do julgamento.
Anencefalia
O
relator do caso, ministro Marco Aurélio, citou dados da Organização Mundial de
Saúde (OMS), referentes ao período entre 1993 e 1998, segundo os quais o Brasil
é o quarto país no mundo em incidência de anencefalia fetal, atrás de Chile,
México e Paraguai. De acordo com o ministro Gilmar Mendes, dos 194 países
vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), 94 permitem o aborto quando verificada
a ausência parcial ou total de cérebro no feto.
A
chamada anencefalia é uma grave malformação fetal que resulta da falha de
fechamento do tubo neural (a estrutura que dá origem ao cérebro e a medula
espinhal), levando à ausência de cérebro, calota craniana e couro cabeludo. A
junção desses problemas impede qualquer possibilidade de o bebê sobreviver,
mesmo se chegar a nascer.
Estimativas
médicas apontam para uma incidência de aproximadamente um caso a cada mil
nascidos vivos no Brasil. Cerca de 50% dos fetos anencéfalos apresenta parada
dos batimentos cardíacos fetais antes mesmo do parto, morrendo dentro do útero
da gestante, de acordo com dados da Federação Brasileira das Associações de
Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Um
pequeno percentual desses fetos apresenta batimentos cardíacos e movimentos
respiratórios fora do útero, funções que podem persistir por algumas horas e,
em raras situações, por mais de um dia. O diagnóstico pode ser dado com total
precisão pelo exame de ultrassom e pode ser detectado em até três meses de
gestação.
Fonte: G1
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